INCLUSÃO SOCIAL AGREGA VALOR AOS CAFÉS ESPECIAIS

A marca de café mais comercializada no Brasil prepara-se
para lançar um novo produto feito a partir do café colhido por indígenas da
etnia Suruí de Rondônia, que vivem na reserva Sete de Setembro, de 248 mil
hectares, na fronteira noroeste do Mato Grosso e de Rondônia.

A produção do café tem diferenciais que tornam a bebida
especial. O fruto é orgânico. Os pés de café são cultivados na floresta junto a
bananeiras e castanheiras, e não recebem nenhum defensivo agrícola ou aditivo
químico. A colheita é feita pelas mãos dos indígenas. Também não há uso de
máquinas para a lavagem dos grãos, secagem e seleção.

“Tem muito preconceito contra os povos indígenas nesse
mercado, mas nós produzimos e tratamos esse café como se fosse a floresta”,
defende Henrique Suruí, cacique geral do povo da reserva Sete de Setembro.

O cacique esteve em Belo Horizonte, durante a Semana
Internacional do Café, a principal feira do produto na América Latina, para
acompanhar produtores indígenas, entre eles Wilson Nakodah Surui, da aldeia
Kabaney, premiado durante o evento.

O modo como os indígenas cuidam do café tem sido reconhecido
no mercado com honrarias e dinheiro. Em Cacoal (RO), cidade mais próxima da
terra indígena, a saca do café do grão do tipo canéfora (plantado no estado)
foi negociada este ano a R$ 300. As 1.500 sacas dos Suruí de Rondônia foram
vendidas por R$ 600, o dobro do preço.

Em entrevista ao programa Brasil Rural, da Rádio Nacional, o
pesquisador da Embrapa Enrique Alves revelou que, em Rondônia, indígenas
recebem apoio para produção de café de alta qualidade.

Dedicação e capricho

A percepção de que a produção diferenciada com inclusão
social gera dividendos aos pequenos cafeicultores vai de norte a sul do Brasil.
Trinta produtoras no leste de Minas Gerais, região próxima ao Espírito Santo,
criaram neste ano a Associação das Mulheres do Café das Matas de Minas para
comercializar o seu café.

“A ideia é juntar essas mulheres para agora alcançar
mercados”, explica a agrônoma Jéssica do Carmo, que trabalha para o Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). “A comercialização tem que ser conjunta.
A produtora tem cinco hectares de terra e produz 200 sacas de café por ano, 60
sacas serão do tipo especial. Isso é muito pouco para um comprador dentro ou
fora do Brasil levar”, explica.

Segundo a agrônoma, as mulheres produtoras são
“caprichosas”, têm espírito empreendedor e levam o negócio para cuidar da
família. “A produtora que faz café especial é extremamente criteriosa em todas
as etapas. As mulheres tendem a reinvestir o dinheiro na melhoria da
propriedade e da família, como a escolarização dos filhos”.

Para Jéssica do Carmo, a dedicação feminina faz um produto
melhor e cativa o público. “Você não está apenas tomando um café. Está ajudando
a filha da produtora a fazer um curso de inglês e desenvolvendo a região. Não é
só o café. Você está transformando as pessoas”.

Cíntia de Matos, presidente da seção brasileira da Aliança
Internacional das Mulheres do Café (IWCA, sigla em inglês) corrobora essa visão
e diz que os cafés especiais produzidos por mulheres “são produtos delicados,
resultado de muito cuidado”.

Local do cultivo

Foi também a obstinação feminina que levou Kivian Rodrigues
a criar a Associação Jovens Baristas, um projeto social em Belo Horizonte para
qualificar com excelência pessoas pobres e discriminadas para trabalhar em
cafeterias e restaurantes.

“Lido com as pessoas que não se encaixam no padrão da sociedade,
seja por causa da classe social, da cor ou da identidade de gênero”, explica à
reportagem da Agência Brasil. A capacitação do Jovens Baristas é mais extensa
que os cursos tradicionais e “começa do começo. Se o barista não entender como
é a lavoura, como vai entender o resultado na xícara que ele serve?”, pergunta
Kivian.

“Tem que entender o terroa [do francês terroir, local do
cultivo]. Se você não entender a história do solo, sua qualidade, o que já foi
plantado ali não vai entender o resultado na xícara. Se o café vai ter notas de
abacaxi, fruto vermelho ou outra coisa, isso depende do solo e da genética da
árvore”, detalha.

Ao fornecer mão de obra qualificada, treinada gratuitamente,
Kivian Rodrigues aguarda dos futuros patrões duas contrapartidas: “a não
discriminação e o salário justo. Vai ter que pagar o justo, vai ser uma via de
mão dupla. Eu estou te dando uma mão de obra qualificada e tem que pagar a ela
o suficiente”.

De acordo com Kevian, as indicaçoes aos empresários são
feitas conforme a demanda, mas sem preterir qualquer pessoa por sua identidade.
“Me ligam e pedem ‘quero uma pessoa que entende de expresso, sabe de filtrado e
manda bem no late arte’ [desenhos com leite na superfície do café]. Eu indico,
entrego profissionais completos, mas sem considerar se é preto branco, homem,
mulher ou trans”.

Para a mestre de torras de café Nathalia Rodrigues, é
correto oferecer uma boa remuneração. “Se a cafeteria trabalha com um produto
de qualidade, é uma obrigação dela, até em respeito à dedicação de todos que
participaram de sua cadeia de produção e ao preço que está pagando pela
torrefação, que contrate uma mão de obra bem formada. Essa força de trabalho
merece, portanto, receber uma remuneração justa e o barista possa viver da sua
profissão”.

Experiências dos Jovens Baristas, das produtoras de café no
leste de Minas Gerais ou dos indígenas Suruí de Rondônia são comuns no “mundo
paralelo” dos cafés especiais, defende Mariana Proença, curadora da Semana
Internacional do Café. “A pegada social do evento existe porque o café tem que
ter sustentabilidade para sobreviver.”

(Fonte: Gazeta Minas)