
CORONAVÍRUS – RISCO DE CONTÁGIO?
Por Bruno Varella Miranda
A confirmação da chegada do coronavírus ao Brasil deveria
inspirar cuidado e realismo. Uma estratégia coordenada entre os distintos
setores da administração pública e o apoio dos recursos disponíveis no setor
privado poderão minimizar o impacto negativo dessa má notícia. A população
também deve fazer a lição de casa, evitando o alarmismo e cooperando com as
orientaçoes das autoridades.
Entre os que não atuam na área da saúde, cuidado e realismo
tampouco fariam mal. Vide as tentativas recentes de estimar o efeito do
coronavírus sobre o crescimento econômico mundial ou de países específicos.
Embora motivadas pelas melhores intençoes, tais tentativas tendem a envelhecer
antes mesmo de amadurecerem. Se são demandadas pelo público, é mais por
refletirem um desdobramento do “império do curto-prazismo” sobre nossos
cálculos econômicos. A busca é por respostas rápidas, mesmo que a sua utilidade
para entender padrões de longo prazo seja limitada.
O raciocínio vale também para o Brasil. No plano das
previsões, o coronavírus exacerba a ansiedade de uma parcela crescente dos
formadores de opinião brasileiros, confusos diante da precariedade da retomada
da economia brasileira. Devido aos inúmeros fatores relacionados, entretanto,
estimar os efeitos da expansão do coronavírus sobre qualquer economia é uma
tarefa hercúlea. Afinal, as açoes e percepçoes de milhões de pessoas,
espalhadas por um conjunto heterogêneo de países, jogam um papel tão importante
na determinação das consequências do coronavírus quanto qualquer estimativa
baseada nas teorias da epidemiologia ou da macroeconomia. Difícil achar um
modelo capaz de capturar tamanho ruído.
Para complicar ainda mais as coisas, inexiste uma resposta
única ao coronavírus. Um bom exemplo é a Itália. O próprio primeiro-ministro do
país, Giuseppe Conte, lembrou que a percepção de existência de uma crise
sanitária em solo italiano tem sido potencializada pela rapidez com que o
governo incentivou a realização de exames diagnósticos. De fato, é possível que
outros países europeus, mais lentos na busca por potenciais casos da doença,
estejam contribuindo para omitir a real situação da crise em suas fronteiras.
Na mesma Itália, há quem argumente que a abordagem inicial criou mais medo do
que soluçoes, afetando de forma exagerada a atividade industrial e o turismo.
Está também quem tenta desvencilhar, mesmo que parcialmente, a discussão sobre
o combate ao vírus de consideraçoes a variáveis como o Produto Interno Bruto ou
o índice das bolsas.
Mais do que tentar projetar o futuro, talvez faça mais
sentido buscar liçoes no passado. O que a história nos ensina é que os efeitos
de uma epidemia sobre a economia tendem a ser similares a um “V”: em um
primeiro momento, os efeitos da crise sanitária tendem a provocar uma acentuada
desaceleração. Menos negócios são realizados entre empresas, as pessoas
preferem ficar em casa, decisões de consumo são adiadas. Uma vez controlada a
epidemia, porém, a retomada costuma ser relativamente rápida. Mesmo casos de
crise profunda, como as sucessivas epidemias de peste na Europa do século XIV,
eram sucedidas por ciclos de expansão econômica e otimismo na população
sobrevivente. Por sinal, crises sanitárias são um fato relativamente
corriqueiro quando analisamos a história.
Não há motivos para acreditar que a situação seja diferente
no caso do coronavírus. Uma vez controlada a epidemia, a retomada da economia
deveria ocorrer naqueles países cujas condiçoes forem favoráveis. É aí que mora
o desafio principal. Em grande medida, o temor em relação aos efeitos do
coronavírus sobre a economia do Brasil – e, quem sabe, sobre a economia mundial
– mascara problemas estruturais mais complexos. Limitando-se às mazelas
brasileiras, nossa lenta retomada reflete limitaçoes e dilemas que antecedem os
primeiros casos da doença na China. Culpar o vírus por eventuais atrasos em uma
recuperação adiada há anos significa relativizar o caos institucional em que
estamos metidos.
A fim de contar a história dos efeitos do coronavírus sobre
a economia brasileira, convém esticar a linha temporal ao “muito antes” da
chegada do vírus. Nesse caso, teremos meses de polêmica estéril e um clima de
campanha eleitoral permanente para contabilizar. Também encontraremos anos de
promessas infrutíferas – tanto as de “esquerda” quanto as de “direita” – e uma
certa predileção pelas estratégias de revisão de consensos. Acompanhados por
uma percepção de fracasso coletivo, há anos cuidamos de maneira imprudente
daquilo que deu certo desde 1988. O resultado é que talvez estejamos levando a
desconstrução a limites intoleráveis para o bom andamento dos negócios e o
planejamento de longo prazo.
Navegando em águas intranquilas há anos, o Brasil tem lidado
com o desafio imposto por um presidente especializado em “semear vento”. Do
outro lado, falta à oposição – ou, talvez, oposiçoes – a capacidade de
articular um discurso que alie uma defesa do Estado democrático de direito a
uma agenda de reformas. Colocar a culpa no coronavírus seria um exagero;
potenciais origens para uma futura tempestade não faltam no horizonte.
Diante de uma situação tão delicada, o coronavírus poderá
ser a gota a transbordar o copo. Afirmar que os efeitos de uma epidemia sobre a
economia não são tão tenebrosos no longo prazo não equivale a dizer que a
eclosão de uma crise sanitária não possa afetar o destino de uma sociedade. No
meio tempo, os efeitos negativos causados por uma epidemia podem sacudir o cenário
político de um país. Um encolhimento pontual da economia é doloroso sempre, mas
ainda pior em um contexto de penúrias. Em meio à confusão dos dias atuais, e na
qual muitos parecem se sentir à vontade, o coronavírus poderá significar mais
um empurrão – involuntário – no processo de deterioração das instituiçoes no
Brasil.
(Fonte: Café Point)